A subversão sempre foi característica mais proeminente da personagem que Lady Gaga construiu. Foi assim que ela fez seu caminho até o mainstream. Desde quando adotou o raio azul embaixo do olho à la Bowie já vinha mostrando algo diferente da música pop contemporânea que estourava no final dos anos 2000. A partir daí, quebrou cada vez mais os padrões estabelecidos pelas divas do pop. Entre vestidos de carne, “Bad Romances” e vulgarizações de símbolos religiosos, anos depois Gaga acabou numa residência bizarra em Las Vegas e atuando como uma justiceira em seu novo clipe de “Stupid Love”, onde aparta brigas num deserto mad-maxiano.  

Como o de qualquer artista, o senso estético da cantora foi se alterando ao longo dos anos, criando fases que evidenciam a versatilidade de Gaga: uma fase de jazz, uma country, e até uma de atriz- que lhe rendeu muitas honrarias -, mas ela ter deixado de lado aquele estilo visceral e agressivo que se tornou sua marca registrada não quer dizer que ela tenha deixado de ser uma agitadora. O ato de subverter é muito mais do que apenas ser agressivo. Lady Gaga deu início a uma fileira de dominós caindo em que, pra sempre, ela vai estar subvertendo uma das duas coisas: Ou a indústria do pop ou as expectativas que os fãs possuem acerca do trabalho dela. Em 2016, ninguém esperava que aquela mulher que aparecia em eventos com um vestido feito de pelúcias da Hello Kitty faria um álbum (quase) inteiro de música country inspirado numa tia que ela nem sequer conheceu. Em 2020 ela continua quebrando estigmas, só que agora se utilizando de outra estética: A kitsch

Kitsch é, em poucas palavras, o brega proposital. Com os processos contínuos de industrialização e avanços do capitalismo, surgiu a demanda por inúmeras manifestações artísticas que não tinham o propósito de se apresentarem como eruditas ou inovadoras. São obras que transmitem uma mensagem, mas são ocas, tidas como ruins pelos artistas considerados eruditos no século XIX, período em que a palavra foi criada. O fato delas serem cavas é fruto da modernidade, que demanda muita produção de conteúdo para as massas. Há algumas décadas, artistas se utilizam da estética kitsch como mecanismo para demonstrar ironia e parodiar tudo o que é auto intitulado erudito e pertencente à “alta cultura”. 

A estética apocalíptica cibernética utilizada no clipe de seu último single, “Stupid Love”, mostra uma artista que não tem medo de reinventar sua própria carreira enquanto, com sua gigantesca visibilidade, alavanca um nicho muito específico do pop contemporâneo que é permeado pelo visual (vide Charli XCX, Grimes e Caroline Polachek).   

Estar seguindo um rumo diferente em sua carreira não significa que ela esteja movimentando todas as engrenagens da indústria como fez no passado. O kitsch, em sua essência, é algo vazio, ou como Clement Greenberg define, o contrário de vanguarda. Não vazio por conta de não representar o avanço, mas por conta do contexto econômico em que surgiu.  

“Stupid Love” representa o começo de uma nova era na trajetória de Gaga onde há um videoclipe que passa a ilusão de ter um conceito complexo e significativo, mas na verdade é oco. Uma mesa de madeira pintada para imitar o mármore. 

Seus trabalhos anteriores sempre envolveram mensagens muito claras e profundas que escrachavam sua verdade e romperam barreiras de preconceito na música, fazendo com que principalmente a comunidade LGBTQ+ a tomasse como um estandarte de sua luta. Com essa “esfriada” nas pautas sociais, um sentimento de frustração foi criado dentro da comunidade porque, aparentemente, quem um dia foi a heroína de uma causa esquecida pela maioria, deu as costas para o seu povo. Com esse esquecimento das pautas sociais que a alavancaram, houve a criação uma nova geração de artistas que possuem unicamente o objetivo de assumirem essa posição vaga, e a decisão da Lady Gaga de seguir fazendo um trabalho kitsch e vazio é justamente o que a faz continuar sendo subversiva, porque, caso o elemento da subversão fosse perdido no meio do caminho, não haveria nem um motivo para Lady Gaga ainda existir, pois seu mote não mais existiria em primeiro lugar.